Dez anos atrás um termo tomava conta da internet, numa era muito diferente da de hoje: o GIRLBOSS.
A expressão foi cunhada por Sophia Amoruso, então criadora da Nasty Gal. A marca começou com uma grande sacada de revender peças garimpadas em leilões do Ebay, logo conquistou o mercado de moda, listas de bestsellers com seu livro #GIRLBOSS e depois um seriado na Netflix.
O ideal GIRLBOSS era algo como uma garota millennial carismática, branca, que empreendia e sucedia por ela mesma, era ~braba, empoderada, tinha contatos (eventualmente dos próprios pais rs) e… dava a entender que todo mundo poderia, bastava querer *rsrs*.
Lembro que do apogeu do seriado, logo veio o caos e provavelmente o cancelamento, numa época que ainda pouco se cancelava. Resgatando um próprio post meu de 2017, época que o seriado foi ao ar, “9 motivos para você questionar e 1 para assistir Girlboss”, reproduzo aqui 3 pontos que sintetizam essa era GIRLBOSS e provavelmente o motivo pelo qual a expressão caiu em desuso.
E por que estou falando de GIRLBOSS anos depois? É que recentemente me deparei com uma matéria falando sobre sua derrocada e percebi que estava por fora como o termo estava totalmente vilanizado.
A matéria da Fast Company destacava a “derrota” do termo e como empreendedoras “fora do radar”, sem necessariamente redes sociais ou arquétipos digitais, estavam se destacando mais – e melhor.
A matéria começa justamente falando que célebres girlbosses da década passada estavam perdendo espaço e se afastando de seus impérios, seja depois de polêmicas ou falências. A última delas – e talvez mais proeminente – era justamente Emily Weiss. De estagiária favorita da Teen Vogue (quem viu The Hills, sabe) à criadora do provavelmente primeiro império de beleza da década digital, a Glossier.
A empresária recentemente saiu da presidência da sua marca e agora “apenas” faz parte do Conselho. Segue dona e proprietária, mas a marca agora é muito mais que sua persona cool – pink -millenial e tenta uma nova tacada agora com uma presença física maior aka à venda na Sephora.
E a matéria fala justamente da falácia da girlboss enquanto um modelo de mulher poderosa, uma selfmande woman que não se encaixa mais nos dias de hoje, onde se há um maior letramento social, seja sobre feminismo e raça. Convenhamos, a girlboss da década passada era muito mais sobre privilégios e oportunidades e hoje em dia não tem como disfarçar mais.
Segundo a matéria, que entrevistou inúmeras empreendedoras da nova geração: GIRLBOSS se tornou um termo PEJORATIVO.
E a aversão ao termo não é de hoje. Pesquisando sobre, caí numa matéria do Business Insider que sintetiza a era.
“O termo “girlboss” é infantilizante. Ele ainda exclui amplamente as mulheres negras, perpetua estereótipos negativos de líderes femininas, reforça expectativas impossíveis de atender às mulheres trabalhadoras e desencoraja a plena inclusão no local de trabalho.”
E a Forbes também fez matéria recente sobre o “obituário” do termo. Um trecho me chamou muito a atenção que foi o da professora de linguística, Kristen Syrett:
“Assim que você modifica algo como ‘chefe’ – e você não tem ‘Boyboss’ ou ‘Maleboss’ – isso realmente torna incrivelmente evidente que ainda estamos, como mulheres, lutando contra [uma imagem] que não era moldado por nós.
É lembrar a todos que existe um estilo de ser chefe: que existe o chefe e depois existe a chefe. E não importa o quanto você trabalhe, você ainda é uma garota – você é uma garota em um mundo masculino.”
Não satisfeitos, eles vão além e mostram que, apesar de originalmente bem intencionado, a expressão atualmente mais depõe, do que ajuda mulheres empreendedoras:
“O apogeu das fundadoras estilo Girlbosses na verdade tornou a situação mais difícil porque obscurece a realidade de que é mais difícil do que nunca arrecadar dinheiro sendo uma mulher.”
A Sophia discorda
Recentemente, em resposta à publicação da Fast Company, Sophia Amoruso, que anteriormente já havia pedido pra pararem de usarem o termo, agora rebate:
“Como é aceitável colocar e classificar mulheres fundadoras umas contra as outras? Aprecio, e muitas vezes invejo ,aqueles que optam por construir um negócio de cabeça baixa – o foco é importante e nem todos precisamos estar no radar – mas dissuadir explicitamente as fundadoras de serem e permanecerem visíveis sob risco de críticas é extremamente irresponsável.
Já recebi o memorando. Feliz por cair sobre minha espada como vítima da misoginia, mas também espero que aprendamos com esse lixo e dêmos alguma graça às futuras fundadoras.”
A machismo ainda mora ao lado (e acima)
Tudo isso acarretava basicamente numa jornada MÚLTIPLA de trabalho, superexposição e mulheres mais exigidas, já o homem seguia sendo… homem.
Hoje, apenas 10% das empresas da lista Fortune 500 têm CEOs mulheres, apesar de as mulheres representarem 47% da força de trabalho. As fundadoras recebem apenas 2% do capital de risco. E se uma mulher co-funda uma empresa com um homem, as suas probabilidades de obter financiamento aumentam para 16%.
A vida depois da GIRLBOSS
Segundo a revista, o método girlboss tem dado lugar a outra expressão que ganhou fama graças à outra mulher empreededora, nessa caso com Brené Brown. A vulnerabilidade tem sido peça chave para as outroras superpoderosas se mostrarem reais, acessíveis e verdadeiras. Bom, ao menos ~editadamente verdadeiras.
E a matéria finaliza com 4 aspectos que deveriam estar na cesta básica de qualquer líder: empatia, gentileza, apoio e colaboração, seja o gênero que for.
Uma empresa é sempre um empreendimento coletivo e a personalidade da girlboss colocava muita pressão sobre um único indivíduo para representar a marca.